Angola: Oposição não reconhece resultado das eleições

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Foto das eleições de 2002 - PNUD
Foto das eleições de 2002 – PNUD

Neste sábado, dia 26, a UNITA informou que não reconhece a validade do resultado das eleições angolanas realizadas na última quarta-feira (23). Isaías Samakuva, líder do partido, deve apresentar dados sobre a contagem dos votos nos próximos dias. De acordo com os números apresentados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o MPLA venceu com 61% dos votos. Desta forma, José Eduardo dos Santos, há quase 38 anos no poder, deixa o posto para o seu sucessor João Lourenço. Por dentro da África reproduz parte do artigo de Rafael Marques, publicado pelo Maka Angola. Leia o original aqui

João Lourenço quer e vai governar como subordinado de José Eduardo dos Santos. Enquanto presidente do MPLA, é JES quem designa o governo, quem aprova o programa de governo, quem determina a agenda legislativa. Enquanto vice-presidente do MPLA, João Lourenço obedece. Mas até quando teremos um presidente nestas condições?

João Lourenço quer e vai governar sob a influência do infame general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, o comandante da campanha eleitoral do MPLA, o “arquitecto” das empresas INDRA, SINFIC e LTI, que prestaram os serviços de organização das eleições. Foi o trabalho e a truculência do Kopelipa que “ofereceu” as eleições ao MPLA e a João Lourenço.

Com que cara e com que poder vai João Lourenço governar o país durante cinco anos?

Durante décadas na Presidência, José Eduardo dos Santos foi um mestre a manipular a opinião pública, conseguindo fazer-se de vítima mesmo quando espalhava o terror. Foi essa mestria que lhe permitiu, por exemplo, gerir as disputas legais contra o jovem Nito Alves, que o atormentava com umas t-shirts provocatórias. Desde os 15 anos, Nito Alves era espancado pelas autoridades, girou as várias cadeias de Luanda e ainda foi acusado de crimes contra a segurança do Estado, de injúria contra Dos Santos e de associação de malfeitores.

Leia aqui: Incierências nos resultados das eleições angolanas

Dos Santos foi um ditador com uma obsessão legalista. Porrada não bastava. Era preciso arranjar cobertura “legal” para os seus actos. Foi assim com os 15+2, a quem inicialmente também acusou, por via do infame PGR, general João Maria de Sousa, de tentativa de assassinato do chefe de Estado. Dos Santos era o mestre das invenções de casos contra quem se lhe opusesse.

Foto de divulgação do MPLA
Foto de divulgação do MPLA

João Lourenço estreia-se de forma brutal, roubando as eleições – mas sem quaisquer veleidades legais. O MPLA já ganhou com 82% (2008) e a UNITA viu fumo. O MPLA já ganhou com 72% (2012) e a UNITA viu fumo. Mas, como Dos Santos gosta, as aparências legais lá estavam e ele dispunha de trunfos. Havia o fantasma da guerra. Havia o discurso do crescimento económico, da reabilitação das infra-estruturas, da cidade do Kilamba, do dólar que circulava pelas cidades aos maços, desvalorizado. Nessa altura, os angolanos queriam ganhar em kwanzas, tal era a ilusão.

João Lourenço não tem nenhuma máscara legal, não dispõe de trunfos, não tem conversa nem mestria. Herda um poder já disfuncional, mas no pico do saque e do abandono das suas funções sociais ao nível da saúde e da educação. A juventude não tem emprego. Herda um país com a mais elevada taxa de mortalidade infantil do mundo. Mesmo assim, contra todas as probabilidades, João Lourenço apresenta-se como o fazedor do “milagre económico”.

João Lourenço não engana, não manieta, não corrompe nem intimida a oposição, como Dos Santos tem sabido fazer. O MPLA espera que a oposição se renda e é provável que consiga. Mas o povo não se rende. É e será sempre soberano. Está no limite da frustração e está consciente da sua soberania que lhe foi usurpada.

João Lourenço rouba as eleições ao povo sem saber sequer como aldrabar. Esse povo que está farto dos desmandos do poder, da cleptocracia que enche os bolsos de Isabel dos Santos, José Filomeno dos Santos, Manuel Vicente, Kopelipa, agora o Danilo dos Santos e tantos outros da família Dos Santos e da nomenclatura do MPLA.

A porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, já é vista como a maior mentirosa da história. O juiz Silva Neto, presidente da CNE, que a instruiu, ainda está a salvo das críticas.

O MPLA pode agora cometer o erro fatal de julgar que está em disputa com a UNITA, o seu velho inimigo para todas as justificações. Ou contra o Abel Chivukuvuku (ex-UNITA), como indicia a campanha panfletária que o MPLA lançou de avião no dia 22 de Agosto, em que injuriava a CASA-CE e coagia a população com a ameaça de guerra. O MPLA pode, como sempre, quebrar a “espinha” da UNITA com o estalar dos dedos.

João Lourenço, candidato do MPLA - Foto de divulgação
João Lourenço, candidato do MPLA – Foto de divulgação

Mas são os eleitores que se sentem roubados. Os eleitores que estão contra a corrupção, a falta de empregos, a falta de seringas nos hospitais, as mentiras diárias do poder. Os eleitores não aguentam mais a arrogância, os abusos de poder dos dirigentes do MPLA. É um sentimento generalizado. Muitos se perguntam como será possível aguentar mais cinco anos sob este tipo de regime.

João Lourenço tem duas hipóteses: ou mostra, de forma radical, que é pelo povo e pelo diálogo, respeitando a sua vontade, e cumpre agora com a sua promessa de corrigir o que está mal, revendo os resultados que o MPLA e a sua CNE anunciaram sem apurarem os votos, ou então, como parece vir a acontecer, mantém a cara podre de roubo e acarta com as consequências da falta de legitimidade aos olhos do povo.

Contem os votos, camaradas. Respeitem a vontade do povo, escutem o descontentamento do povo, sejam humildes e aprendam a dialogar com o povo. Doutra forma, João Lourenço e o MPLA estão a escolher o caminho da confrontação com as massas. Podem sacrificar mais o povo, mas não serão respeitados, não serão amados e só poderão gerar um sentimento colectivo de revolta.
João Lourenço, torne-se o engenheiro da paz! Repare as fissuras deixadas pelo arquitecto da paz