“Eu te incomodo por ser uma feminista africana?”

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Naentrem Sanca, Por dentro da África
Nascida em Bissau, Naentrem Sanca é bacharel em Humanidades e cursa Relação Internacional na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira em São Francisco de Conde (BA).

Naentrem Sanca, Por dentro da África

Ser feminista é se posicionar diante de um problema emergencial, que afeta a vida das mulheres em todo o mundo. Segundo a escritora nigeriana Chimamanda Adichie, “A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente”.

Uma das críticas mais comuns que venho enfrentado desde que me tornei feminista é a seguinte: “O feminismo não é africano. Vocês não vão levar isso para o nosso continente”. Essas críticas não só me insultam como também insultam as minhas ancestrais que lutaram ao lado dos homens para libertar o nosso continente africano. Essas  mulheres africanas não se intitulavam feministas, mas lutavam pela igualdade de gênero em todos os âmbitos.

Sendo feminista africana tenho consciência de que a terminologia “feminista” tem origem no Ocidente como um conjunto de movimentos políticos, sociais e filosóficos que têm como objetivo os direitos equânimes (iguais) e uma vivência humana por meio do empoderamento feminino, porém as razões e as finalidades da luta, em muitos aspectos, são semelhantes às nossas, na África. Não pretendo unificar as demandas, por isso mesmo que me assumo como feminista africana para distinguir e pontuar algumas das nossas particularidades.

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie
A escritora nigeriana Chimamanda Adichie

Meus irmãos não conseguem entender que eu não estou lutando contra eles, mas contra o sistema que oprime e explora, principalmente as mulheres. Já ouvi várias vezes nos corredores da universidade: “Vais ser feminista só aqui no Brasil”, aí eu pergunto: Será que ser feminista na Guiné-Bissau é crime? Se for, assim serei condenada porque não vou me calar sabendo que as minhas irmãs estão sendo violentadas. Enquanto mulheres estiverem morrendo, jamais deixarei de lutar pelas minhas manas e por mim. Muitas das vezes me pergunto: “Será que existe um lugar seguro para as mulheres?” Olho ao meu redor e, quando vejo as notícias, concluo que não, que não existe um lugar seguro.

Durante a gravidez, uma amiga passou muito mal e precisou ficar internada em um hospital. Ela não conseguiu apresentar o seu trabalho de TCC e precisou passar três meses em casa. Neste período, o namorado estava sempre na universidade, e ninguém o questionava pelo fato de ele não estar em casa cuidando do filho. Quando a minha amiga começou a frequentar a universidade e a deixar a criança com o pai, todo mundo começou a perguntar: “Cadê seu namorado? Por que você fica sempre aqui e ele em casa, com a criança? Se fosse na  Guiné-Bissau você faria isso?”

Se o filho é dos dois por que cobrar só de uma parte? Por que não cobrar dos dois? É direito dos dois estudarem e cuidarem da criança. Existem falas que tentam nos calar e que acabam reforçando os estereótipos de que os homens africanos são opressores. Eles precisam questionar o seu lugar dentro do sistema opressivo, afinal, são suas mães, irmãs e esposas que também sofrem com esse desequilíbrio de oportunidades.

O feminismo africano sempre abriu as portas para os homens, acreditando que juntos derrubaríamos esse sistema opressor, que afeta homens e mulheres. Os homens são ensinados que ‘demonstrar sentimento é coisa de mulher e que devem permanecer machos’. Eles precisam entender que ser feminista não é sinônimo de lutar contra os homens, e muito menos roubar o lugar dos homens.

Sou feminista sim, mas se isso te incomoda de alguma forma, o problema não está em mim, mas no seu medo de me ver bem ao lado de ti.  Acredito que juntos mudaremos o mundo porque essa luta não é só das mulheres, mas de todas as pessoas que acreditam e que reconhecem que existe um grave problema de desigualdade de gênero que deve ser combatido.