Natalia da Luz, Por dentro da África
No Zimbábue, após o anúncio do aumento de 150% da gasolina, em 15 de janeiro, manifestantes tomaram as ruas. Em reação, o governo reprimiu as mobilizações fazendo uso de violência extrema, que deixou pelo menos 17 mortos e dezenas de feridos. Segundo a polícia, cerca de mil pessoas foram detidas desde o início dos protestos.
De acordo com o Fórum Zimbabuano de Direitos Humanos, essa modalidade sistemática de violações do Estado constitui um crime contra a humanidade. “Há 17 mortes, 17 estupros, 26 raptos, 61 deslocamentos, 81 pessoas feridas por bala e 586 casos de tortura e tratamento abusivo”, informa o documento da organização, lançado em 6 de fevereiro.
Denúncias de ativistas relatam que policiais, militares e homens sem identificação têm feito buscas ilegais em residências. A Associação Zimbabuana de Médicos para os Direitos Humanos informou que tratou de dezenas de casos de feridos por bala.
“É um momento muito delicado. Há grupos de pessoas sendo retiradas de forma arbitrária de suas casas, sem qualquer justificativa, sem qualquer evidência, investigação. Elas são abordadas de maneira muito agressiva”, disse em entrevista ao Por dentro da África, a advogada Roselyn Hanzi, diretora dos Advogados para os Direitos Humanos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos anunciou que a organização estava profundamente preocupada com a crise socioeconômica e a repressão de protestos em grande escala no país.
Sequência de protestos
Substituto de Robert Mugabe (deposto em novembro de 2017 após 37 anos no poder), o atual presidente Emmerson Mnangagwa, conhecido como ‘Crocodilo’, tem sido pressionado para punir os agentes do Estado que agem com brutalidade.
“O governo não diz muita coisa. Não há muita comunicação com o governo. O Estado justifica as prisões dizendo que os suspeitos estão infringindo a lei. Por outro lado, a oposição enfraquecida, ainda leva a fama de incitar a desordem”, explicou Roselyn.
Um dos grandes críticos do governo de Robert Mugabe, o ativista Evan Mawarire passou parte da vida sendo ameaçado e perseguido pelo governo. Após duas semanas em Chikurubi, uma prisão de segurança máxima, o pastor zimbabuano foi solto. Dezenas de ativistas ainda continuam nas prisões.
Zimbábue sem Mugabe
Em 15 de novembro de 2017, os zimbabuanos foram às ruas para apoiar o Exército, que detivera Robert Mugabe. Na ocasião, o comandante indicou como objetivo de sua ação no Palácio presidencial ‘punir os criminosos que rodeavam o então presidente.’
“O Exército insistiu em não rotular a intervenção como um golpe (o que estava acontecendo tinha características de um golpe). Este enquadramento cuidadoso foi oportuno porque, com o conhecimento da maioria das pessoas sobre a natureza violenta dos golpes que foram encenados em outros países africanos, isso ajudou a aliviar o pânico e medo”, disse em entrevista ao Por dentro da África, Selina Linda Mudavanhu, Phd em Estudos de Mídia da Universidade da Cidade do Cabo, África do Sul.
Neste processo, os poucos que ainda ficaram do lado de Mugabe foram para o exílio ou presos. Selina lembra que as quase quatro décadas de poder de Mugabe são lembradas, principalmente, por autoritarismo e intolerância.
“Alguns dos problemas que surgiram incluem a intolerância às opiniões diferentes, o desencadeamento da violência contra os opositores, bem como a redução das liberdades civis, a liberdade de expressão das pessoas e das mídias por meio de várias leis”, exemplificou Selina.
Em 1980, Mugabe venceu as primeiras eleições democráticas, além de ter sido considerado o herói da independência da Rodésia do Sul (nome do país na época), com um discurso de reconciliação. Anos depois, seu governo foi acusado de racismo e suas políticas acabaram forçando a fuga de quase toda a população branca do país.
“Várias leis que funcionaram para sufocar a liberdade de expressão da mídia e das pessoas, bem como suas liberdades civis, entraram em vigor. A administração Mugabe também foi estratégica em seu controle e uso da emissora estatal e da mídia impressa estatal para propagar suas ideias e demonizar rivais”, lembrou a pesquisadora.
Reforma econômica e reforma política
A repressão não será capaz de inibir os manifestantes. Motivações políticas e econômicas levarão ainda mais pessoas para as ruas. Professores primários, médicos, advogados e funcionários públicos organizam protestos exigindo aumentos salariais e pagamentos em dólares americanos para lidar com a inflação crescente. Nessas mobilizações, críticas aos abusos e violações de direitos humanos por parte do Estado são permanentes.
“No momento, há a situação econômica dramática, mas esse cenário não é novo. Estamos há muitos anos para fazer reformas políticas que possam fazer valer as leis e punir de forma eficaz os abusos. É importante lembrar que essas reformas só serão eficazes com as reformas econômicas, que possam trazer mais estabilidade ao país”, explicou Roselyn.