Natalia da Luz – Por dentro da África
(Publicado no Jornal do Brasil, em 2010)
Rio – Ele recebeu do pai uma herança que compartilha com a música mundial. Seun Kuti é o grande nome do Afrobeat, estilo criado por Fela Kuti, que promoveu o encontro do jazz, funk e cantos tradicionais africanos na mesma música! “Para mim, afrobeat é revolução!”, descreve de forma sucinta o som caracterizado pelo seu “endless groove”, estrutura musical que se repete durante a execução.
– Mas isso não é só entretenimento. Quem vai ao show sabe como é energético. Isso é muito importante para mim – disse em entrevista exclusiva fazendo elogios à música brasileira e ao pai (artista consagrado e ativista político falecido em 1997, vítima de HIV), que ajudou a elevar o status da música africana.
Seun ressalta a energia em suas performances, elemento que deve ser vital na apresentação de músicas quase intermináveis. As de Fela duravam em média 20 minutos, tendência seguida por Seun, que sobre o palco supera os 10 minutos mantendo a mesma harmonia (o mesmo acorde). Sem pressa para acabar, ele aproveita para explorar o arsenal de instrumentos que ele carrega.
– Eu uso sax, trompete, guitarra, baixo, bateria, percussão… Esse som rico e repetitivo cria um jogo psicológico que te prende. Isso é Afrobeat, cara!
Nesse jogo hipnótico, Kuti, que aos 30 anos coleciona quatro álbuns, dança e expõe uma performance parecendo convocar seus ancestrais. Fela também era assim… Levava para os shows uma pequena mostra das danças e rituais africanos. Muito de Kuti foi influenciado pelo pai, a sua maior inspiração.
– Ele inventou isso tudo, trouxe um novo olhar e uma nova interpretação para a música africana. Isso mexeu com a música mundial e é por isso que eu gosto de seguir essa originalidade – contou orgulhoso sobre o trabalho do pai, que também incluía críticas duras à colonização.
Fela era uma estrela nigeriana, uma personalidade que orgulhava os conterrâneos não apenas pela autenticidade artística, mas pelo ativismo.
Em relação à produção artística africana, os esteriótipos estão sendo deixados de lado, esquecidos com a contrapartida de essas possibilidades vindas do continente enriquecerem não apenas a música, mas a cultura como um todo.
– Há muitos grooves africanos se tornando hits no mundo inteiro. Quer ver algo polêmico? Michael Jackson simplesmente pegou o reef (trecho melódico que se repete e chega a ser considerado a identidade da música) de Shakara (música de Fela Kuti) e fez Thriller, mas meu pai nunca quis processá-lo – revelou sobre a criação de Fela, em 1972, e a de Jackson, 10 anos mais tarde.
Seun não gosta dessa apropriação, claro. Preferia ver Shakara com o seu devido crédito em todo o mundo. Mesmo assim ele está feliz com o reconhecimento da música africana, que a cada dia ganha mais espaço. Sobre esse tópico, ele acredita que não há diferenças entre os sons da Nigéria, país onde nasceu, e os produzidos nos vizinhos.
Com cerca de 170 milhões de habitantes, a Nigéria é considerada o berço do Afrobeat, possuindo um acervo de instrumentos e sons próprios, mas que, ideologicamente, não se diferem dos outros países africanos.
– As músicas de toda a parte da África são bem originais, sem um peso maior para um país ou outro. A maioria dos artistas africanos toca, compõe e produz por mudanças. Esse é o nosso ideal e o que se faz presente na nossa produção musical.
Por dentro da África