Por Natalia da Luz e Douglas Oliveira, Por dentro da África
Joanesburgo – A música tem o dom de transmitir emoção e enriquecer a cultura. Para o povo shona, no Zimbábue, um instrumento que assume essa função é o mbira. Segundo os zimbabuanos, ele é parte de um ritual que encoraja, fortalece e conversa com a alma.
– Tocamos mbira para chamar os nossos ancestrais. Ele é frequentemente usado em cerimônias religiosas, rituais e eventos sociais importantes para a nossa cultura – conta, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Nathan Chakuchichi, músico zimbabuano e líder do grupo The Black Stars.
Nathan explica que o mbira é um instrumento de metal que, colocado dentro de um calabash, produz um som que vibra, que emociona, que enriquece a música. Sozinho, o calabash ou cabaça (frutos de plantas da família das cucurbitáceas) cria uma variedade de sons de percussão imprescindíveis para as danças tradicionais africanas.
Para acompanhar a música, há um guia especial: um chocalho feito de pequenas cabaças e sementes que dão contorno ao ritmo para que o som da mbira não fique nem muito rápido, nem muito lento!
Na África Oriental e Austral, há muitos tipos de mbira. O baterista nigeriano Babatunde Olatunji (falecido em 2003) afirmava que o instrumento é completamente africano, sendo encontrado apenas em áreas habitadas por africanos e seus descendentes. O mbira também ganhou destaque após a performance de Thomas Mapfumo, músico zimbabuano cujo trabalho é baseado nesse instrumento tão mágico…
Thomas é conhecido como “The Lion of Zimbabwe” (O Leão do Zimbábue) e “Mukanya” (o nome do louvor de seu clã na língua Shona) por sua imensa popularidade e pelo significado político de suas músicas, que contêm ácidas críticas ao governo do presidente Robert Mugabe.
Com o aumento da popularidade do mbira na América do Norte, Europa e Japão, nas últimas décadas, os fabricantes do Zimbábue ajustaram seus instrumentos de maneira mais uniforme para a exportação.
– O mbira é composto por cerca de 22 a 28 “chaves” construídas a partir de metal quente ou a frio preso a uma base de madeira. O dedo mínimo da mão direita é colocado através de um furo no canto inferior direito da placa de som para que os outros possam ficar livres – explica Nathan, que vive em Johanesburgo com os componentes do grupo (Innocent Mutero, Lucky Thembo e Shack Dick)
Em 2009, ele resolveu cruzar a fronteira do Zimbábue para a África do Sul na intenção de mostrar o seu trabalho para os turistas do mundo inteiro que chegavam ao país, principalmente, para a Copa do Mundo 2010.
Conhecemos Nathan enquanto ele realizava um show solo no bairro de Rosebank, em Johanesburgo. O som do mbira se propagou até nós de forma tão empolgante que convidamos Nathan e o grupo para gravar um vídeo para o Por dentro da África.
– O nosso som é espiritual. Quando temos um problema, nós tocamos e cantamos. Essa comunicação com os nossos ancestrais nos deixa mais corajosos e mais preparados para enfrentar os obstáculos, que não são poucos – fala o artista, que compõe suas músicas sempre com temas de esperança e otimismo inspiradas, muitas vezes, no cenário político e social do Zimbábue.
O povo shona
Com cerca de 15 milhões de habitantes, o Zimbábue é um país da África Austral que faz fronteira com a Zâmbia, Moçambique, África do Sul e Botsuana.
O povo shona (que representa a etnia majoritária do Zimbábue – cerca de 10 milhões) é formado por um grupo de povos de línguas bantas. Eles são conhecidos e respeitados por suas notáveis habilidades com o ferro, cerâmica e música. Na agricultura, o destaque fica para o cultivo do feijão, amendoim, milho, abóboras e batata doce.
De acordo com a crença dos shona, durante algumas cerimônias, as pessoas evocam os espíritos para responder alguns de seus questionamentos. O som do mbira faz com que os convidados entrem em transe para que os espíritos assumam o corpo dos shonas.
Nathan conta que a mbira é como um objeto sagrado para os shonas. Mesmo presente em diferentes países africanos, são eles que tocam com mais regularidade e profissionalismo.
– A música para nós é mais do que arte… O mbira nos acompanha porque é parte da nossa cultura, das nossas crenças. Ele é uma ferramenta que nos ajuda a falar sobre o nosso passado, presente e futuro.
Por dentro da África