Falta de transparência e a teoria da fraude eleitoral em Angola

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Foto de divulgação do MPLA
Foto de divulgação do MPLA

Por dentro da África

As eleições do dia 23 de agosto levaram os angolanos às urnas para a escolha do próximo presidente. O atual, José Eduardo dos Santos (MPLA), está há 37 anos no poder. Em todo o país, observadores nacionais e internacionais de entidades como União Europeia (UE), União Africana (UA) e Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), acompanharam as eleições, mas esse apoio é pouco eficiente diante da falta de transparência do processo eleitoral angolano, controlado pelo partido que há 42 anos se mantém no poder.

Aqui, Por dentro da África reproduz parte do artigo de Paulo Zua, publicado pelo Maka Angola. Leia o artigo completo aqui!  

A fraude eleitoral numa sociedade moderna e debaixo do foco de uma boa parte do mundo, como acontece em Angola, não é um processo artesanal e óbvio, como seria no século passado ou em outros países africanos mais recônditos e sem aspirações a serem potências regionais e ao reconhecimento global. Em Angola, a fraude eleitoral acontece através de um tempo longo, com recurso a sofisticados procedimentos, envolvendo diferentes fases e estratégias. Vamos proceder à sua classificação e análise.

1) A primeira estratégia da fraude eleitoral é o controlo do enquadramento.

Controlo do enquadramento quer dizer que o partido do governo tem domínio efetivo sobre todas as instituições que participam no processo eleitoral: Tribunal Constitucional, Comissão Nacional Eleitoral, Ministério da Administração do Território e Comunicação Social. Portanto, o controlo legal, o controlo operacional e o controlo da liberdade de expressão dependem do partido do governo.

O Tribunal Constitucional, que tem a última palavra nos diferendos político-eleitorais, é composto por 11 juízes. Destes, quatro (incluindo o presidente do Tribunal) são indicados pelo presidente da República, e quatro pela Assembleia Nacional, onde o partido do governo tem dois terços dos deputados. Assim, pelo menos oito em 11 juízes foram designados pelo partido do governo, sem qualquer contraditório, audiência confirmativa ou escrutínio público, não estando assegurada qualquer imparcialidade do mais alto tribunal do país.

Sobre este registo eleitoral fica uma dúvida elementar: segundo o Instituto Nacional de Estatística, a população de Angola em 2017 andará na ordem dos 28 milhões de pessoas. Ora, os eleitores registados são cerca de nove milhões. Onde param os restantes 19 milhões? Têm todos menos de 18 anos?

Finalmente, refira-se a comunicação social. Com excepção dos meios digitais, mas cujo raio de ação se limita à população com acesso à internet, toda a restante comunicação social é dominada, direta ou indiretamente, pelo governo. Como de costume, isso refletiu-se claramente na cobertura da campanha.

2) O segundo aspecto da fraude eleitoral é a micro-obstaculização.

Micro-obstaculização quer dizer, em português corrente, “colocar grãos de areia na engrenagem”, isto é, ir levantando pequenos obstáculos que evitem o escrutínio efetivo das eleições, desmobilizem os eleitores, criem preguiça ou desmotivação, de modo que só os disciplinados e “arrebanhados” membros do partido do governo se dirijam aos locais de voto, seja para votar, seja para controlar os votos.

3) O terceiro aspecto é o controlo do núcleo essencial do voto.

O núcleo essencial do voto ocorre nas assembleias de voto. E, segundo a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, o momento-chave no apuramento dos resultados ocorre nas próprias assembleias de voto. É nestas que se fazem as contagens e se verificam os resultados. Esta é a base. Ora, não há fiabilidade neste âmbito.

Em termos matemáticos, o que acontece é que a base não é fiável, logo, tudo o resto pode estar errado. Exemplifiquemos: a força política A pode ter 10 votos na Assembleia de Voto X, mas não há nada que impeça que surja com 20 votos no Centro de Processamento Municipal. E será essa a base: 20 votos, e não 10. Os 20 votos serão depois certificados ao longo do sistema até ao final, mas estão errados, porque a base era 10. Trata-se de um processo de certificação do logro. Este ponto basta para desqualificar o processo: se a base do sistema não é fiável, como se pode afirmar que o sistema é fiável?

4) O quarto e último aspecto essencial é o controlo das tecnologias de informação (TI).

Através do controlo dos sistemas de TI – o que o partido do governo fez através da contratação de duas empresas de sua confiança, já envolvidas em anteriores processos eleitorais e suspeitas de fraude correlacionadas (Indra e Sinfic) –, consegue-se controlar o processo eleitoral final da forma mais simples.

O chefe da Casa de Segurança do PR, general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” foi o “comandante” da campanha eleitoral do MPLA e de João Lourenço. Por outro lado, a Sinfic tem providenciado a solução tecnológica para o registo eleitoral, sob responsabilidade do Ministério da Administração do Território, desde 2006. Por essa via, a Sinfic controla toda a base de dados do processo eleitoral.

Em suma, são estes os quatro passos (ou controlos) que existem para consumar uma sofisticada fraude nas eleições angolanas:
1) Controlo do Enquadramento;
2) Micro-obstaculização;
3) Controlo do núcleo base da votação;
4) Controlo das tecnologias de informação.

Foto das eleições de 2002 - PNUD
Foto das eleições de 2002 – PNUD