“O iorubá precisa ser reconhecido como parte da nossa cultura”, diz Marcio de Jagun

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Casa de Pai Anderson - Rio de Janeiro - Foto - Natalia da Luz - UNIC RIO
Casa de Pai Anderson – Rio de Janeiro – Foto – Natalia da Luz – UNIC RIO

Natalia da Luz, Por dentro da África

Rio – A ligação entre o Brasil e o continente africano abrange muitos aspectos. As religiões de matrizes africanas são parte importante desta riqueza. Devido a essa influência, muitas palavras presentes no cotidiano do brasileiro são de língua iorubá, falada no sudoeste da África, principalmente, na Nigéria. A necessidade de aprender mais sobre esse elo de formação da nossa sociedade foi o grande motivador para o desenvolvimento de um vocábulo iorubá para o português.

– A gente buscou trazer para o livro um descortinar do idioma. Não simplesmente um significado gramatical, mas filosófico. Não apenas dizer que água significa “omi” , mas o que a água é dentro da filosofia iorubá, qual a percepção acerca desse elemento da natureza – conta, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, o professor de cultura iorubá Marcio de Jagun, autor do livro “Yorubá: Vocábulo temático do Candomblé”, lançado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

No Brasil, o iorubá é muito usado como ferramenta da liturgia nos cultos de candomblé. A raiz é única, mas as particularidades que ele recebeu em território brasileiro, com a chegada dos africanos escravizados (durante o tráfico transatlântico – XVI-XIX), faz com que ele seja diferente daquele falado na Nigéria, no Benin, na Costa do Marfim, por exemplo.

– O candomblé nagô é calcado na cultura iorubá, os nossos deuses são invocados e chamados para dançar através dos “orin” (cânticos para os orixás), em nosso “ṣiré” (dança utilizada para louvor aos orixás). Os nossos orixás são cultuados sempre a partir desse idioma – explicou Márcio, que também é autor de “Orí: a cabeça como divindade”.

UNIC RIo - Natalia da Luz - CancombléPovo iorubá

O iorubá é um grupo etnolinguístico que, como aponta o escritor, não pertence a um único país, a um único território. Isso porque os iorubás sempre se reconheceram por suas cidades-Estado. Como exemplo, na Nigéria (que concentra a maior parte da região onde viviam e vivem os iorubás), eles se reconhecem como sendo de Ifé, Ibadã e Ketu. Hoje, há estimativas de que existam cerca de 45 milhões de iorubás no mundo, sendo mais de 40 milhões na Nigéria, país de 180 milhões de habitantes.

– A criação de um povo iorubá é um mito do colonizador, é uma ficção jurídica. É como buscar uma identidade latino-americana. Você se identifica como latino-americana ou como brasileira? – questiona o babalorixá.

Nesta busca pela identidade, cabe lembrar que os primeiros registros do iorubá grafado foram feitos a mando dos colonizadores. O nigeriano Samuel Ajayi Crowther (1809 -1891) foi o primeiro bispo anglicano negro, religião à qual se converteu após ser capturado e vendido como escravo.

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Samuel Ajayi Crowther

– Samuel percebeu a necessidade de ensinar o idioma para outros missionários com a finalidade de colonizar, catequizar. Como se já não bastasse toda a crueldade do colonizador, teve também a arrogância em grafar o idioma para explorar – lembrou o escritor.

Há registros de que o idioma iorubá existe há pelo menos 6 mil anos (talvez 10 mil anos). O catolicismo, que é usado como referência religiosa para a população brasileira, existe há 2 mil anos. Então, bem antes disso, do outro lado do Atlântico, já existia uma filosofia, uma forma própria de constituir a sociedade.

A palavra é sagrada

– Para o povo iorubá, a palavra é sagrada. Em nossa mitologia, Olorum (Deus Supremo) soprou vida nos corpos, então, todas as vezes que falamos, exalamos hálito, hálito sagrado – uma partícula do Criador! Por isso, a palavra tem “àṣẹ” (vida, força vital). Quando a gente entende o valor filosófico dessa cultura, a gente amplia os horizontes e se aproxima dessas divindades – conta Márcio.

Compreender alguns aspectos da riqueza das religiões de matrizes africanas é o ponto de partida para combater o preconceito, que é fonte da intolerância religiosa. Nesse caminho, cabe reconhecer a iniciativa da UERJ de encomendar a pesquisa que Márcio se aprofundou durante dois anos.

-Vemos universidades com cursos de latim, hebraico, sânscrito, mas e o iorubá? Temos que ver o iorubá entrando pela porta da frente da Academia. Quanto mais a sociedade esticar os braços para permitir que essa cultura seja reconhecida, melhor será para todos nós.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) está avaliando a inserção do iorubá no Inventário Nacional de Diversidade Linguística, a pedido da Associação Nacional de Mídia Afro – ANMA. O processo, que está em tramitação, indica que o iorubá está no caminho de ser reconhecido como parte da nossa diversidade.

-Palavras como axé, orixá, ogun, iemanjá são parte do nosso português, são parte do português que falamos aqui. Quem nunca botou flores para Iemanjá? Reconhecer essa importância fortalece uma cultura que é objeto de preconceito. É um trabalho que precisa ser feito.

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