Washington Santos Nascimento, Por dentro da África
De todos os territórios ocupados pela França, nenhum alcançou tanta prosperidade quanto São Domingos, que era um dos maiores produtores mundiais de açúcar e café e contava com uma ampla maioria da população composta por africanos e seus descendentes.
A rebelião ocorrida na parte oeste da ilha de São Domingos (atual Haiti) foi a única feita por cativos e libertos na história americana que culminou em uma revolução, destruiu o sistema escravo de plantação e transformou o Haiti, em 1 de janeiro de 1804, no primeiro país “negro-africano” fora da África.
Os seus impactos foram múltiplos: influiu sobre o preço do açúcar e gerou um grande medo de que uma insurreição daquela escala acontecesse em outros lugares da América escravista. Este medo, segundo Paul Gilroy (2001:11), “marcou o edifício da euro-modernidade de forma muito mais profunda do que se tem reconhecido”.
Essa insurreição teve início durante a Revolução Francesa quando, devido a acontecimentos na metrópole, a ilha ganhou maior autonomia e representatividade no parlamento levando a um crescimento das disputas internas entre brancos e mulatos e ao nascimento de uma série de levantes da população escrava em 1791.
De uma rebelião, transformou-se em uma revolução, na qual se envolveram, direta ou indiretamente, a França, a Espanha e a Inglaterra. O resultado foi que, sob a liderança de Toussaint L’Ouverture, os africanos e ex-escravos conseguiram governar a ilha, mas continuaram sob a tutela da França. Com Jacques Desalines, no ano de 1804, o Haiti separou-se definitivamente dos franceses e proclamou a sua independência. O restante da ilha continuou dominado pelos espanhóis e hoje corresponde ao território daRepública Dominicana.
De maneira geral, a Revolução Haitiana mostrou às classes de senhores brancos da América que guerras civis internas ou mesmo guerras de independência contra o poder metropolitano levariam à destruição dos regimes coloniais que elas tanto buscavam proteger.
“Haitianismo” foi o termo que circulou pelos quatro cantos da América e que era usado para definir a influência da revolução Haitiana sobre a ação política dos africanos, negros, mulatos, escravos e livres em todo o mundo atlântico.
A Revolução Haitiana também trouxe um endurecimento das leis escravistas e dos mecanismos coercitivos, além de uma atitude menos tolerante para com os homens livres de cor. Para os escravos, mostrou que era possível construir um movimento de libertação que os levasse à tomada do poder. O Haiti também se transformou em um exemplo de revolução anticolonialista exitosa e contribuiu para a emancipação das colônias espanholas.
Simón Bolívar se refugiou no Haiti no início do século XIX, onde recebeu ajuda de Pétion, governador da parte sul da ilha; Francisco de Miranda, um dos líderes da independência venezuelana, esteve na ilha em 20 de fevereiro de 1806; o governo haitiano também colaborou com os irmãos Miguel y Fernando Carabaño, que organizaram uma expedição de 150 homens contra Cartagena, Colômbia; os mexicanos Toledo y Herrera contaram com a ajuda do corsário haitiano Bellegarde no ataque a Tampico e Veracruz; outro mexicano, Francisco Javier Mina, também esteve no Haiti preparando uma invasão ao México colonial, quando foi acompanhado por vários marinheiros haitianos. Com esses exemplos pode-se atestar como a Revolução Haitiana contribuiu para a emancipação das colônias espanholas e como foi bem-vista pelos rebeldes anticolonialistas.
Mesmo assim, o Haiti foi marginalizado pelas nações recém-independentes (Estados Unidos, México, Colombia…) e também pelas potências colônias da época (Espanha, Portugal, Inglaterra e França) pois ele inspirava mais medo do que admiração, sobretudo pelo fato de africanos e seus descendentes diretos, terem conquistado o poder político e construído um país.
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