No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, prisão de jornalistas denuncia repressão na Etiópia

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Foto: Protestos na Etiópia, Zone9

Natalia da Luz, Por dentro da África

Reportagem publicada em 3 de maio de 2014. O último dia 25 de abril marcou um ano desde que nove jornalistas da Etiópia foram presos.

Rio – Acusados de incitar violência através de mídias sociais e de criar instabilidade política no país, nove jornalistas da Etiópia foram presos no último domingo. No Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, a notícia gera comoção entre os ativistas do país, acostumados às violações, e estimula a discussão sobre o tema no continente africano.

– A Etiópia é um dos países mais perigosos do mundo para as atividades dos jornalistas. As últimas prisões são parte de uma repressão em curso mais ampla sobre a liberdade de expressão. Muitos jornalistas e defensores dos direitos humanos foram presos e detidos, principalmente após a lei Antiterrorismo de 2009 – conta, em entrevista exclusiva ao Por dentro da África, Hassan Shire, diretor executivo do grupo Human Rights Defenders para o Chifre da África.

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Foto: Protestos na Etiópia, Zone9

Os nove blogueiros e jornalistas (6 do veículo Zone9) estão no centro de detenção Maekelawi, onde as condições são notoriamente ruins. A organização Human Rights Watch publicou um relatório no ano passado com base em entrevistas com ex-detentos, que afirmaram ter suas necessidades básicas negadas e submetidos a diferentes tipos de tortura para obtenção de confissões.

– Amigos e família vêm tentando manter contato com eles, mas tem sido negada a permissão para visitá-los. Eles foram levados ao tribunal no domingo (o que é incomum, já que o tribunal é normalmente fechado aos domingos), sem qualquer representação legal – destaca o advogado.

Muitas organizações de direitos humanos estão em campanha pela libertação dos ativistas como a Anistia Internacional, Human Rights Watch, Freedom House e Comitê para a Proteção dos Jornalistas. O blog Zone9 tem um grande apoio, e muitas pessoas, dentro e fora da Etiópia, estão levando a campanha paras mídias sociais. De acordo com o Índice do Repórter Sem Fronteiras de 2014, a Etiópia está na 143ª posição dentre os 180 países listados. Na última posição, está a vizinha Eritreia.

Do outro lado deste cenário, está a Namíbia, a melhor colocada africana na 22ª posição. Nesta data, em 1991, era assinada na Namíbia a Declaração de Windhoek, redigida por jornalistas africanos para promover uma imprensa livre (Veja mais: Presidente da Namíbia critica condições de trabalhadores).

 Combativa

Foto: Protestos na Etiópia, Zone9
Foto: Protestos na Etiópia, Zone9

Zone9 é uma mídia respeitada e popular no país, uma das remanescentes vozes independentes na Etiópia. Fundada há dois anos, Zone9 se descreve como um “grupo informal de jovens blogueiros etíopes, trabalhando juntos para criar uma narração alternativa independente das condições sócio-políticas na Etiópia”.

Devido à perseguição por parte do governo, o blog ficou inativo por sete meses. Em 23 de abril de 2014, os jornalistas retomaram o trabalho, apenas dois dias antes da prisão. Os jornalistas presos são: Befeqadu Hailu,  Atnaf Berahane, Mahlet Fantahun, Zelalem Kiberet, Natnael Feleke, Abel Wabela, Edom Kassaye,Tesfalem Waldyes e Asmamaw Hailegeorgis.

Hassan espera que os olhos do mundo possam se voltar para a Etiópia nesta semana, principalmente por conta da visita do Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, em Adis Abeba. Kerry expressou preocupação com a prisão dos blogueiros, incluindo Natnael Feleke, que eu havia conhecido no ano passado, e afirmou a importância da liberdade de ideias.

– A situação dos direitos humanos na Etiópia deverá ser examinada no âmbito do mecanismo de Revisão Periódica Universal no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, na próxima terça-feira. Esperamos que muitos países, inclusive o Brasil, possam contribuir com recomendações em nome da proteção da liberdade de expressão – ponderou o advogado.

Repressão após a lei Antiterrorismo

2009_Zimbabwe_Media - HRWEncravada no Chifre da África e com mais de 90 milhões de habitantes, a Etiópia é a segunda nação mais populosa da África e a décima maior em área. O país faz fronteira com  Sudão,  Sudão do Sul, Djibuti, Eritreia, Somália e Quênia.

Desde 2011, 12 jornalistas foram condenados por atos de terrorismo por conta da legislação, que teve um efeito inibidor sobre o trabalho da mídia independente no país. Hassan destaca que muitos jornalistas fugiram da Etiópia, o que resultou em uma escassez de veículos de comunicação e jornalistas independentes.

Foto: Protestos na Etiópia, Zone9
Foto: Protestos na Etiópia, Zone9

– Por exemplo, em 2012, o jornalista Eskinder Nega foi preso por acusações de terrorismo e condenado a 18 anos de prisão, depois de escrever um artigo criticando o uso da legislação pelo governo. Ele havia sido preso em sete ocasiões anteriormente – relembra Hassan.

O advogado recorda que Nega escreveu sobre os movimentos de protesto que varreram o norte da África e, claramente, se mostrava favorável aos manifestantes e crítico ao seu próprio governo. Apesar da proteção da expressão livre nos termos do artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que a Etiópia é signatária, o governo reagiu processando Nega como um traidor e terrorista.

Para citar outro exemplo, a jornalista Reeyot Alemu foi presa em junho de 2011. Poucos dias depois, ela publicou um artigo criticando as práticas de partido do governo da Etiópia. Sua sentença inicial de 14 anos de prisão foi reduzida para 5 anos, após um recurso.

No ano passado, o Prêmio Liberdade de Imprensa foi para ela. Em abril do ano passado, Alemu passou por uma cirurgia para remover um tumor do seio e voltou para a cadeia, sem tempo de recuperação. Perseguida por denunciar esquemas de corrupção do governo, ela permanece atrás das grades.

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Reeyot Alemu – Foto: UN

– Acredito que devo contribuir com alguma coisa para trazer um futuro melhor. Uma vez que há muitas injustiças e opressão na Etiópia, devo revelá-los em meus artigos – disse Alemu, em comunicado à imprensa.

– O trabalho para os jornalistas independentes na Etiópia se tornou ainda mais difícil com a introdução da Lei Antiterrorismo 625/2009. Além disso, em 2012, a principal imprensa estatal da Etiópia emitiu um comunicado dizendo que se recusaria a imprimir as informações que acreditava ser uma violação da lei – ressalta Hassan, completando que, desde então, muitos jornais e revistas fecharam.

Veja um trecho da lei:

Liberdade de Imprensa - Foto: UNESCO
Liberdade de Imprensa – Foto: UNESCO

“- Considerando o direito do povo de viver em paz, a liberdade e a segurança devem ser protegidas, principalmente, a partir da ameaça do terrorismo.

– Tornou-se necessário legislar disposições legais adequadas, já que as leis em vigor no país não são suficientes para prevenir e controlar o terrorismo;

-Tornou-se necessário incorporar novos mecanismos e procedimentos para evitar o terrorismo e para recolher e compilar informações e evidências, a fim de levar à Justiça suspeitos e organizações por atos de terrorismo através da criação de reforço de investigação e ação penal”

Foto: Protestos na Etiópia, Zone9

Para o diretor da organização Defenders, na Etiópia, há uma variedade de questões de direitos humanos por quais lutar, incluindo as condições de detenção, abusos cometidos pelas forças de segurança e discriminação em programas de desenvolvimento.

– O grande desafio é ter um governo que torna o trabalho pelos direitos humanos quase impossível, após a implementação da lei. As organizações que recebem mais de 10% do seu financiamento a partir do exterior estão proibidas de trabalhar em muitas questões, incluindo direitos humanos, promoção de gênero e religião, direitos das crianças e das pessoas com deficiência.

Tecnologia para fiscalizar 

No mês passado, a Human Rights Watch publicou um relatório que confirmou e documentou que o governo etíope usa tecnologia estrangeira sofisticada para realizar ampla fiscalização das atividades on-line de opositores políticos e jornalistas, tanto na Etiópia quanto no exterior. Isso tem um efeito inibidor sério para jornalistas e ativistas.

No relatório deste ano da Repórter Sem Fronteiras, a organização diz que o controle dos meios de comunicação sempre foi objetivo estratégico em conflitos.

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Foto: Protestos de etíopes na Holanda, Zone9

– A lei antiterrorismo é uma ameaça que continua a pairar sobre os jornalistas. As mídias que se atrevem a violar o código de silêncio, especialmente no que diz respeito à corrupção do governo, são sistematicamente intimidadas – conta Hassan.

Repórter Sem Fronteiras

Em seu comunicado de 2014, o Repórter Sem Fronteiras diz que, graças às novas tecnologias, os meios de comunicação tradicionais, como as estações de rádio e jornais, não são mais os únicos veículos.

Veja também: Angolano vai a julgamento após publicar livro sobre corrupção 

A ameaça terrorista é aumentada pela forma como alguns grupos com agenda política usam o conflito armado para o ganho econômico, como se vê nas guerras de controle de depósitos minerais no leste da República Democrática do Congo. Depois de tomar o controle de partes de Nord-Kivu, no leste da República Democrática do Congo, em 2012, o grupo armado M23 insistiu na verificação de jornais antes da distribuição e ameaçou os gestores de estações de rádio que transmitem os relatórios que refletiam mal no M23.

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Mapa da Liberdade de Imprensa

De acordo com a organização, estes problemas impactam o fluxo de notícias e informações. Por causa dos perigos, os jornalistas têm cada vez menos acesso ao terreno das operações militares. Durante a Operação Serval da França no Mali, por exemplo, alguns repórteres optaram por viajar em comboios militares que da linha de frente, a fim de não deixar os militares franceses como a única fonte de informação sobre esta guerra.

Entre os 30 piores países com liberdade de imprensa, os africanos  são: República Democrática do Congo (151), Gâmbia (155), Suazilândia (156), Egito (159), Ruanda (162) , Guiné Equatorial (168), Djibuti (169), Sudão (172) , Somália (176) e Eritréia (180).

Por dentro da África