Ulrich Schiefer, Por dentro da África
“La urbe moderna no es una ciudad, es una enfermedad”. (Nicolás Gómez Dávila)
Lisboa – Para muitos países, supostamente em vias de desenvolvimento, e ainda para mais sociedades, a questão de desenvolvimento parece cada vez mais afastada, menos realista e menos relevante. Os fracassos da modernização pós-colonial, operados e condicionados pelo complexo desenvolvimentista internacional e pelos seus aliados nacionais, imitações das burocracias coloniais sobrepostas pelas “novas elites de poder”, remeteram a questão para discursos oficiais que já não inspiram confiança. Entretanto, a insegurança alimentar aumenta, a simplicidade da vida no campo é substituída pela pobreza urbana, as perspectivas futuras diminuem ou são inexistentes.
Consequentemente, as migrações, forçadas ou não, assolam cada vez mais as sociedades e contribuem para a crescente anomia que há muito passou de um estado nas franjas de sociedades em mudança para um processo dinâmico, que assola especialmente os espaços urbanos, mas não só.
O desenvolvimento global – originalmente concebido como uma expansão dos modelos de produção industrial e dos seus mercados para todo o globo, e, associados a esta expansão, o estabelecimento da dominação dos padrões burocráticos de organização – só funcionou em certas áreas geográficas, e, mesmo nestas, só parcialmente.
À superioridade deste modelo, manifesta na produção desenfreada de bens e no aumento da capacidade destrutiva, corresponde a um desprezo generalizado, implícito ou explícito, por outras formas de organização das sociedades não-industrializadas que abrangem uma boa parte da humanidade. A força destes modelos somente entra na percepção global quando se manifesta como desafio – em forma de resistência, violenta ou não. Mesma nas sociedades não industrializadas as organizações do modelo moderno conseguem captar a atenção pública quase toda.
As expectativas implícitas e as promessas de salvação ligadas à libertação do colonialismo foram goradas. As incorporações de um futuro melhor, tanto na forma do “Partido” como do “Estado”, desestruturam-se e frustraram todas as tentativas de desenvolvimento das sociedades que conquistaram. Estas instituições trans-étnicas modernas, cozidas à pressa. Não raras vezes, produtos de guerras demoradas e destruidoras, e sem profundidade histórica, são parcialmente baseadas numa mimikry da administração colonial.
As condições macropolíticas e macroeconômicas, orquestradas historicamente pela organizações de Bretton Woods, impostas por uma panóplia de “atores”, armadas com hard power e soft power e, em parte, criadas no local pelo “complexo da cooperação para o desenvolvimento,” que surge como vanguarda da expansão do modelo industrial mundial, levaram a processos de autodestruição assistida de muitas sociedades agrárias africanas que viram desaparecer uma parte substancial da sua produtividade e, não menos importante, assistiram a uma redução significativa da capacidade de socialização das suas futuras gerações. A desacreditação da cooperação internacional parece quase total.
A estratégia de desenvolvimento, embora ainda mantida ao nível do discurso e na propaganda (“objetivos do milênio”, etc.), mudou. Foi substituída na realidade, a nível internacional, por estratégias de contenção para tentar manter a paz, evitar a criação de bases regionais para o terrorismo internacional e controlar as migrações intercontinentais. Estas estratégias de contenção estão igualmente condenadas ao fracasso, que, aliás, já se manifesta.
Do lado das elites de poder nacionais, a estratégia mudou para uma corrida frenética de modo a atrair o famigerado investimento estrangeiro direto, que se concentra na exploração dos recursos naturais, minerais e outros, como se os efeitos nefastos e frequentemente catastróficos sobre muitas sociedades não estivessem em evidência. Dadas as oportunidades que oferecem às elites de poder nacionais e internacionais e os seus efeitos positivos sobre as estatísticas econômicas, senão sobre as economias produtivas reais, estes investimentos provavelmente condicionarão o futuro próximo de muitas sociedades africanas.
A sua natureza técnica permite o seu funcionamento em condições muito adversas a quase todos os níveis. A engenharia social, operada através de intervenções de uma profusão de organizações chamadas de sociedade civil, sob o lema de desenvolvimento, que visava a mudança da organização societal em todos os níveis, com discursos do desenvolvimento humano, ecológico, sustentável, etc., não produziu igualmente muitos sucessos evidentes. A multiplicidade de organizações criadas pelas agências internacionais que constituem uma paisagem organizacional própria e que não têm vida própria sem as suas ligações financiadoras, não produziu desenvolvimento, nem organizações sustentáveis. Serviu basicamente para apropriar os fundos que as próprias agências internacionais não consumiram.
As numerosas tentativas de organizações peri-modernas – como igrejas, comunidades urbanas, organizações internacionais de advocacia, etc. – para invadir o espaço de produção do sentido, embora consigam captar muitas almas, fracassam amplamente na integração dos membros das sociedades agrárias em dissolução. Estas organizações, nomeadamente as de caráter religioso diverso, funcionam quase todas nas mais diversas arenas de reconstituição de comunidades sociais. O seu número crescente pode servir de indicador para o enfraquecimento das sociedades agrárias tradicionais.
Contudo, elas não podem, por definição, criar um contexto integral, inclusivo e multidimensional de vida que qualquer sociedade agrária proporciona aos seus membros e que produz em quase todos que as largam, a sensação de perda que frequentemente se manifesta em nostalgia.
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Artigo desenvolvido pelo Curso de Estudos Africanos, do Instituto Universitário de Lisboa, para a parceria com o Por dentro da África. Saiba mais sobre o curso e a instituição aqui