Shosholoza: a música sagrada que embala as torcidas sul-africanas

Natalia da Luz, Por dentro da África

Johanesburgo, África do Sul – Quem assistiu ao filme Invictus, provavelmente, gravou a trilha sonora na memória. Cinéfilos e telespectadores de todo o mundo podem não saber cantar em zulu (uma das 11 línguas oficiais sul-africanas), mas talvez conheçam o ritmo, a melodia de Shosholoza, hino das torcidas (branca e negra) que cantarola a metáfora eternizada em um dos dias mais importantes da era democrática do país: “o dia mágico” (24 de junho de 1995), quando o então presidente Nelson Mandela uniu os dois “países” sul-africanos.

Durante a final da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995, o herói da luta contra o apartheid usou o uniforme dos Springboks (apelido da seleção de rúgbi) e foi coroado no local mais sagrado para os afrikaners: o Ellis Park (estádio em Johanesburgo), que reuniu mais de 62 mil pessoas vibrando em nome do rúgbi ,uma obsessão, quase religião.

O longa-metragem de Clint Eastwood, que recebeu duas indicações ao Oscar 2010 (melhor ator para Morgan Freeman e coadjuvante para Matt Damon), conta a história real de um evento-chave da África do Sul. Clint transformou em frames, as palavras de John Carlin, descritas em “Playing the Enemy – Nelson Mandela and the game that made a nation”, título em inglês para “Conquistando o inimigo – Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul”.

O livro é rico em detalhes e descreve não apenas o período pré-Copa de Rúgbi, mas toda a saga de Mandela que, literalmente, conquistou o inimigo estudando a sua língua, conhecendo a sua cultura e, especialmente, todas as regras do esporte sagrado para a maioria dos brancos do seu país. Um processo que começou bem antes que ele pudesse ganhar a liberdade…

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A conquista após anos de persistência foi inesquecível. Os brancos apoiaram Mandela e cantaram a música negra originalmente nascida nas minas de ouro e levada para partidas de futebol. Trilha sonora das torcidas de rúgbi e futebol, Shosholoza, o som enérgico que tenta imitar um trem a vapor quer dizer “Siga em frente!”, na definição mais simples. Na versão mais completa, significa: “Vamos em frente, todos juntos empurrando o trem rumo às montanhas”.

Esse hino que servia de estímulo e carregado de perseverança para os negros foi cantado pela torcida afrikaner que, em coro surpreendente, pronunciou as palavras em zulu! Todo aquele ritual foi como um pedido de perdão pelos anos de repressão. O jogo em si não mudaria o país, mas a atitude de Mandela apoiando a seleção de rúgbi e convidando todo o seu povo a fazer o mesmo, poderia contribuir.

As palavras do hino, em zulu, apareceram nos dois telões do Ellis Park, ensinando os brancos a língua de seus ex-escravos, sob o comando de Dan Moyana, locutor da Rádio 702 de Johanesburgo e ativista antiapartheid. Ele convocou os brancos a expulsarem os All Blacks, como a seleção neozelandesa era chamada. E funcionou!

A torcida aprendeu, cantou e os Boks venceram da Nova Zelândia conquistando a Copa de Rúgbi! Isso propagou uma “avalanche de emoções” em todo o país e destruiu os mundos paralelos, mesmo que por um dia. A conquista do torneio disputado na África do Sul, estimulada pelo slogan “um time, uma nação”, transformou o território multifacetado em um só. Brancos e negros esqueceram diferenças e comemoraram juntos o orgulho de pertencerem à mesma nação.  Brancos ergueram a nova bandeira da nação arco-íris e cantaram o hino dos negros (que narrava a luta dos negros), na língua dos negros.

Esse movimento foi vital para sarar feridas e mantê-los (negros e brancos) em união até as diferenças ganharem corpo novamente. Assista à versão do grupo Ladysmith Black Manbazo com a letra!

Por dentro da África