Natalia da Luz, Por dentro da África
Rio – Em 25 de maio de 1963, quando a Organização da Unidade Africana foi criada, a celebração foi cercada pelo sentimento de liberdade em meio à sequência de independência vivida em todo o continente e ao sentimento de valorização da cultura, com o movimento Pan-Africanista liderado por Kwame Nkrumah. Hoje,, esta data conhecida como o Dia da África, é um convite à reflexão sobre a libertação plena da África.
– O Dia da Libertação Africana é visto pelos africanos com um “encolher de ombros”. Depois de 1960, o continente ficou preso em uma engenharia econômica e política neocolonial confusa. Minha esperança é que deve haver uma segunda onda de “independência” para o continente africano. Como sempre, vou continuar a chamar os povos africanos em todo o mundo a tomar responsabilidade pela sua libertação plena e participar de uma organização que trabalhe para a libertação da humanidade em geral – disse em entrevista exclusiva ao Por dentro da África Immanuel Tatah Mentan, cientista político e pesquisador pan-africanista com centenas de artigos e mais de sete livros sobre o tema.
O camaronês Mentan relembra que, historicamente, o Dia da Libertação Africana foi criado em abril de 1958 pelo primeiro então presidente de Gana Kwame Nkrumah, na Primeira Conferência dos Estados Independentes Africanos, realizada em Accra, capital de Gana, com a participação de oito Estados africanos livres. Na ocasião, o 15 de abril foi declarado “Dia Africano da Liberdade” para marcar o progresso do movimento de libertação na África e para simbolizar a determinação dos Povos da África contra a dominação estrangeira.
– O caminho para a independência dos países africanos foi muito difícil e tortuoso. Como exemplo, podemos citar a Grã-Bretanha, que concedeu ao “Reino do Egito” independência em 22 de fevereiro de 1922, após uma série de revoltas, mas continuou a interferir no governo. Revoltas mais violentas levaram à assinatura do tratado anglo-egípcio em 1936 e a um golpe de Estado que marcou a Revolução Egípcia em 1952. A declaração da República Egípcia só chegou em 18 de junho de 1953.
Histórico do Dia da África e a luta contra o imperialismo
No dia 25 de maio de 1963, 31 chefes africanos foram convocados para fundar a Organização de Unidade Africana (OUA). Nesta cimeira, o Dia Africano da Liberdade foi renomeado Dia da Libertação Africana, e a sua data foi alterada para 25 de maio. Como a OUA foi criada para construir uma estrutura para a unidade de todos os Estados Africanos, o Dia da Libertação Africana foi novamente confirmado como parte do Movimento Pan-Africanista Revolucionário.
Kwame Nkrumah (1909/1972) foi um líder político africano e um dos fundadores do Pan-Africanismo. Em 1945, ele ajudou a organizar o sexto Congresso Pan-Africano em Manchester, Inglaterra. Depois disso, começou a trabalhar para a descolonização da África. Na independência de Gana, em 1957, Nkrumah foi declarado o Osagyefo (líder vitorioso) e primeiro-ministro.
O pan-africanismo é uma ideologia que propõe a união de todos os povos de África e fora de África, entre os descendentes dos escravos africanos que foram levados para as Américas até ao século XIX e dos emigrantes mais recentes. É um movimento político, filosófico e social que promove a defesa dos direitos do povo africano e da unidade do continente no âmbito de um único Estado soberano, para todos os africanos, tanto na África como em diáspora.
– Hoje, temos 54 países e fronteiras arbitrárias que devem ser um pesadelo para qualquer cartógrafo sensato. Algumas das fronteiras são linhas retas elaboradas pelos colonizadores e seus companheiros “bêbados”, juntos em uma conferência em Berlim (a Conferência de Berlim, em 1885, teve o objetivo de “organizar” a ocupação de África pelas potências coloniais). Com um conjunto de mapas, réguas e compassos e sem qualquer compromisso com limites naturais como rios, lagos e montanhas, eles limitaram as fronteiras – conta o também professor de Concordia University, no Canadá, e autor de “Dilemas de Estados fracos: África e transnacional terrorismo no século XXI”.
O especialista recorda que há muitas histórias sobre as formas como os europeus decidiram as fronteiras e, consequentemente, a história, cultura e política dos povos africanos.
– Desde a sua criação, a Dia da Libertação Africana não só foi comemorado na África, mas também em outros lugares: Europa, Caribe, Cuba, EUA e até mesmo na ex-União Soviética! Em seu crescimento e desenvolvimento, o dia evoluiu para reconhecer as lutas corajosas de não-africanos, como os povos indígenas do Hemisfério Ocidental, os palestinos e os irlandeses, por exemplo. Você vai ver representantes desses vários grupos compartilhando as semelhanças nas lutas de todos os povos oprimidos. Esta unidade e solidariedade entre os povos oprimidos é fundamental para a derrubada do imperialismo, porque estamos lutando contra um inimigo comum – completou o professor.
Processo de independência e o Pan-Africanismo
O ano marcante para a independência do continente africano foi 1960, quando 17 países ganharam a independência. Explicando o que significou a independência dos africanos na década de 1960, o professor citou as palavras do nigeriano nacionalista Chief Obafemi Awolowo (nascido em 1909 e morto em 1987). “Após tantos anos da independência, teremos de estar no nosso próprio caminho e confiar em nossos próprios recursos, na força unificadora” – disse Awolowo em sua autobiografia.
– Em retrospectiva histórica, em 15 de abril de 1958, o Primeiro Congresso dos Estados Africanos Independentes foi convocado em Acra, Gana, por Kwame Nkrumah, primeiro presidente daquele país. Milhares de representantes de organizações revolucionárias em toda a África participaram dessa conferência organizada para marcar o progresso do movimento de libertação na África e para simbolizar a determinação do povo da África – explicou o pesquisador que também escreveu “Nem armas, nem balas: a recolonização da África hoje”(2007).
Como bem lembra Mentan durante a nossa entrevista, esta foi a primeira conferência pan-africana realizada em solo africano desde o nascimento do movimento, em 1900. (A primeira conferência pan-africana foi realizada em Londres, em julho de 1900).
– Na África, foi um dia de unidade e solidariedade. Na arena de educação política, organização e luta, o Dia da Libertação Africana demonstra que os africanos não obtiveram sua libertação integral. África ainda é desunida, e seu povo ainda é vítima de opressão de classe e gênero. Esses africanos nunca irão superar os obstáculos se não se permitirem atingir o Pan -africanismo – ponderou.
Confira um pouco mais de nossa entrevista com o professor Tatah Mentan:
PDA – Como poderíamos identificar o Pan-africanismo na contemporaneidade ? Que tipo de movimento podemos ver hoje em dia?
TM – A ideologia do Pan-africanismo diminuiu tremendamente. A fundação da OUA, em 1963, foi um passo significativo para os objetivos do Pan-africanismo. A OUA, hoje União Africana, abraça todo o continente, mas ainda não é uma comunidade política ou econômica com a autoridade legislativa. O Pan-africanismo ainda não conseguiu seu principal objetivo, ou seja, a eliminação das divisões na África para garantir que o continente não seja dividido em campos hostis à vantagem de imperialistas predatórios.
Em outras palavras, a África vem enfrentando divisões e “guerras étnico-políticas”. Na melhor das hipóteses, a OUA / UA manteve um fórum para a discussão de disputas e para encontrar ou recomendar soluções que consistem, principalmente, em recursos de apoio ou intervenção das antigas potências coloniais ou das Nações Unidas. A UA está sendo estabelecida enquanto a ideologia do Pan-africanismo está em declínio em um momento de instabilidade política aguda no continente.
As guerras na África são um reflexo das falhas de construção da nação, através do sistema único de Estado. Os conflitos étnico-políticos, os conflitos religiosos, o terrorismo do Boko Haram vão todos contra a ideologia do Pan-africanismo e as metas da unidade africana. Na luta entre o Estado, o nacionalismo étnico ou religioso e o Pan-africanismo na África do pós-colonial, a dinâmica do Pan-Africanismo é recusada. O povo africano precisa de um batismo ideológico Pan-africanista sério para embarcar na segunda onda de libertação do seu povo.
PDA – Os críticos acusam a ideologia de uma tentativa de homogeneização dos descendentes africanos. Quais foram os desafios e os erros do movimento ?
TM – A luta para a África livre da dominação estrangeira tem sido uma longa e gloriosa história. Desde o início da incursão européia naÁfrica (século XV) até os tempos atuais, africanos (dos quatro cantos do continente) resistiram ao tráfico de escravos, colonialismo, neocolonialismo e ao imperialismo. Esta luta foi confinada à África, mas onde quer que ocorreu, africanos deviam ser encontrados. Atingir a independência econômica foi mais difícil do que ganhar a independência política. Em algumas áreas de seca e fome, a produção agrícola foi destruída.
O custo de vida aumentou vertiginosamente, atingindo uma população urbana em rápido crescimento. As tentativas de criar uma forte base de fabricação falhou; muitas moedas africanas passaram por períodos em que não puderam ser convertidas em moedas ocidentais. Essas tendências negativas têm causado intervenção das instituições econômicas ocidentais como o FMI e o Banco Mundial. Como consequência, tem havido uma migração estável de pessoas do continente para a Europa e América.
PDA – Você acha que a noção de “união entre os irmãos” está em queda em comparação com os anos 60 ?
TM – A ideia de “união” é menos significativa hoje do que era na África na década de 1960. A globalização se firmou no continente para minar a ideologia do nacionalismo Pan-africanista. Todos os Estados africanos não conseguiram unificar o seu povo na medida em que eles não podem mais realizar funções básicas: como educação, segurança ou governança. Dentro deste vácuo de poder, as pessoas são vítimas de facções rivais e, por vezes, as Nações Unidas ou os Estados estrangeiros tentam intervir para prevenir ou promover um desastre humanitário.
No entanto, esse cenário não repercute só fatores internos. Os governos estrangeiros com conhecimento de causa também tentam desestabilizar Estados, alimentando a guerra étnica ou religiosa ou apoiando forças rebeldes. Os regimes africanos controlados como fantoches têm sido absolutamente atrasados na entrega de serviços públicos desde a imposição de políticas neoliberais pelas instituições financeiras internacionais. Assim, o único presente que os controladores africanos da globalização têm feito é seguir com o individualismo. Toda a noção de fortalecer os “irmãos” está em queda livre.
PDA – Em muitos países, a liberdade é um problema enorme. Podemos encontrar muitas violações de direitos humanos no Sudão, Etiópia, Líbia, Uganda, Egito … Como a ideia do Pan-africanismo pode fazer da África um continente mais próspero?
TM – A África e os africanos ainda não são livres. Em todo o mundo, os africanos sofrem com as mesmas condições: racismo, opressão, pobreza, desemprego, falta de moradia adequada e cuidados médicos. Na África, mais especificamente, os africanos continuam a sofrer sob o peso esmagador da opressão imperialista e a exploração como a Shell Oil na Nigéria, o terrorismo da OTAN contra a Líbia e as guerras de diamantes em Serra Leoa, que deixaram as comunidades devastadas.
É uma contradição irônica saber que os africanos vivem no continente mais rico (em termos de recursos naturais) da Terra, mas estão entre as pessoas mais pobres do planeta. Há a necessidade de organização e formação política para conseguir alcançar o Pan-africanismo: a libertação total e unificação da África sob o socialismo científico, como o falecido Kwame Nkrumah declarou.
PDA – Hoje há muitas parcerias com países europeus e principalmente a China. Estimular as parcerias internas não poderia ser uma das metas?
TM – Há um crescente conflito abertamente entre a China e o Ocidente sobre os recursos naturais da África. E este conflito não é simplesmente o acesso aos recursos naturais, mas o acesso para financiar mercados. Da mesma forma, esse conflito constitui uma garantia de que o crescimento do projeto de controle militar da África pelos Estados Unidos está se tornando mais agressivo na perseguição frenética para a base militar para conter a China e Rússia. Os países negligentemente mais vulneráveis e explorados do continente devem lutar coletivamente para levar as ambições ocidentais para o declínio através da ideia do Pan-africanismo.
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